CULTURA E APRENDIZAGEM ESCOLAR
 

Embora a definição proposta pelo antropólogo inglês Edward B. Tylor, no final do século retrasado, que diz que cultura é "todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade" tenha sofrido inúmeras críticas através dos tempos ela se adapta bem às necessidades deste texto.

A análise do avaliador do exame do Processamento Visual não pode ficar limitada aos interesses específicos da visão. Ele precisa estar atento a algumas situações culturais específicas.

Em primeiro lugar ele precisa perceber que algumas famílias agregam ao conhecimento um valor cultural exacerbado. Os filhos precisam conhecer muito sobre tudo e sobre todos para se estabelecer no grupo de relacionamento. Eles não admitem superficialidade. O desempenho escolar do filho deverá ser sempre exemplar.

Outras famílias são compostas por pessoas que foram submetidas a duras provas de classificação para ingresso em universidades consideradas “de excelência”. Estes indivíduos conquistaram postos de relevância profissional na sociedade onde vivem e exigem que os filhos sigam o mesmo rumo.

Existem ainda aquelas famílias que necessitam que o patrimônio econômico seja mantido por mais uma geração e exigem que o filho tenha conhecimentos específicos que não estão ao seu alcance.

Como estes pais conseguirão sobreviver em
um mundo que demonstra desinteresse generalizado pelo conhecimento? A geração digital dos filhos deixou de dar valor cultural ao conhecimento na medida em que as informações podem ser obtidas a um simples toque do smartphone em uma página de pesquisa.

Além disso, milhares de pessoas “ditas” vencedoras (porque têm dinheiro) não têm cultura alguma. Viajam, passeiam por “shoppings centers” de diversos países trazendo para casa centenas ou milhares de bugigangas inúteis que exibem como troféus, sem saber informar sequer o significado de um único ponto turístico por onde passaram.

Para esses pais essa “ignorância universal” tem efeito demolidor.

Para estes jovens, muito além do elemento pesquisa, o smartphone trouxe os joguinhos eletrônicos (adorados pelos meninos) e a mídia social (idolatrada pelas meninas). Estes joguinhos e mídia resultam em oscilações de humor muito intensas várias vezes durante o dia, em um ciclo de ansiedade, euforia e tristeza constante.

Uma parcela significativa destes pacientes já desenvolveu a NoMoFobia  (No Mobile Fobia ou medo de ficar distante do celular). A reação deles quando pedimos para desligar o celular durante o exame já é sinal de alerta. Ao acompanhante (sempre somente um para não interferir no exame) também é solicitado que desligue o telefone. A reação deste também já diz muito sobre a interferência do aparelho no relacionamento familiar.
Uma vez desligado este equipamento muitos jovens reagem como se tivessem sido “desligados” juntos. São os que sofrem de Hikikomori. Esta palavra japonesa se traduz por afastamento (social). São indivíduos que demoram a reagir a perguntas, mostram indolência e má vontade nas respostas.

É importante para o examinador ter clareza de que isso não é desatenção. Muitos pais já chegam pedindo a prescrição daqueles “óculos que ligam o filho na tomada” ou de anfetaminas (medicamentos para TDAH). O que estes pais não percebem é que o pragmatismo observado na média dos membros desta geração torna o conhecimento absolutamente desinserido do cotidiano deles. “Que utilidade tem eu aprender  sobre Revolução Francesa, Jesuítas ou onde fica Lisboa ou Maceió ? Me deixe em paz no meu joguinho ou papeando com minhas amigas !!!!”

A não aceitação às imposições familiares, em especial no começo da adolescência, faz com que o comportamento destes jovens seja considerado como um “desvio acentuado das expectativas da cultura onde ele está inserido” resultando em sofrimento para ele e para os pais. Como esta reação persiste por mais de dois anos, é inflexível e resulta em mau relacionamento em todas as esferas, acabam trazendo a suspeição de um dos dez tipos de “transtorno de personalidade”. Está criado o caos.

Outro grupo de jovens vive o questionamento da própria sexualidade.
Pais homofóbicos não conseguem aceitar e não sabem nem mesmo trabalhar a idéia de um relacionamento saudável com estes filhos. Rechaçam qualquer hipótese a respeito deste tema, mesmo quando o adolescente já demonstra todos os sinais de evidência.  Frases como “você devia estar pensando nos seus estudos ao invés de pensar bobagens” estimulam o distanciamento entre as duas gerações.


Por ultimo as famílias “estéticas”. Esta situação é comum quando examinamos os filhos de pais bonitos e famosos, que não aceitam qualquer situação que possa macular a beleza familiar. É aquela menina que está em grave espasmo de acomodação por uso de smartphone e, por isso está com forte miopia, e que não enxerga nem a colega sentada na carteira a frente dela, quanto mais a lousa. Ela já foi avaliada por outros colegas que prescreveram óculos “que – acho - estão no porta-luvas do carro. Outros prescreveram um colírio para ela usar a noite antes de dormir, mas fizeram tantas recomendações que tivemos medo de usar. Outros prescreveram lentes de contato (coloridas, claro), mas “ele (a) não tem muito jeito para colocar e tirar e não adaptou”. Uma dessas mães queria que a filha fosse submetida a cirurgia de miopia, aos 10 anos de idade, por espasmo de acomodação secundário ao uso de celular !

Os resultados obtidos no exame do Processamento Visual deverão apontar situações problema que contribuirão para a melhora do desempenho escolar deste paciente.

As palavras do médico examinador serão poderosas na medida que elas excluam doenças que necessitam tratamento químico e apontem para uma situação de não conformidade.

O médico precisa ter liberdade para sugerir a equipe multiprofissional que atue junto a escola no sentido de privilegiar menos o conteúdo e  dirigir mais o foco na descoberta das reais habilidades deste  aluno. Ele precisa saber sugerir que a família necessita orientação voltada para agir com responsabilidade diante da homossexualidade. Precisa desmistificar colírios, óculos e principalmente saber orientar o uso digital com consciência.