Villar,José Marcelo Guimarães
DISCALCULIA NA SALA DE AULA DE MATEMÁTICA: UM ESTUDO DE CASO COM DOIS ESTUDANTES
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Matemática, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática. Juiz de Fora, 2017
Discalculia.
O que significa cálculo na matemática?
Substantivo masculino. Resolução de problemas que envolvam números. Operação feita para achar o resultado da combinação de vários números; cômputo. [Aritmética] Arte de resolver problemas de aritmética elementar.
O que é e para que serve o cálculo?
Atualmente, o cálculo, além das utilidades conhecidas como ferramenta necessária a todas as atividades do dia a dia, serve para exercitar nossas mentes, desenvolvendo assim um raciocínio lógico, e melhorando ainda mais a capacidade para rápida resolução de problemas do dia-a-dia ou problemas mais complexos, etc..
A terminologia Discalculia é estabelecida nos Descritores em Ciências da Saúde de 2021 como “Prejuízo na concepção de conceitos numéricos. Esta incapacidade resulta de lesão neurológica primária, é sindrômica (por exemplo, SÍNDROME DE GERSTMANN) ou adquirida devido à lesão no encéfalo.”
No Código Internacional de doenças, 11ª versão (CID 11) aparece em duas situações. A primeira com código MB4B – Disfunção simbólica - que diz que “a discalculia refere-se à dificuldade adquirida em realizar cálculos matemáticos simples que é inconsistente com o nível geral de funcionamento intelectual, com início após o período de desenvolvimento em indivíduos que já atingiram essas habilidades, como devido a um acidente vascular cerebral ou outra lesão cerebral.”
Aparece também com código 6A03.2 – Desordens do Neurodesenvolvimento – Desordem no Desenvolvimento da Aprendizagem – Deficiência em Matemática – “As deficiências nas habilidades matemáticas, se manifestam como senso de número, memorização de fatos numéricos, cálculo preciso, cálculo fluente, raciocínio matemático preciso.”
Como parte das Desordens do Neurodesenvolvimento o CID 11 complementa:
- A presença de limitações significativas no aprendizado de habilidades acadêmicas de leitura, escrita ou aritmética, resultando em um nível de habilidade marcadamente abaixo do que seria esperado para a idade.
- As limitações na aprendizagem são manifestas apesar da instrução acadêmica apropriada nas áreas relevantes.
- As limitações podem ser restritas a um único componente de uma habilidade (por exemplo, uma incapacidade de dominar numeramento básico ou decodificar palavras isoladas com precisão e fluência) ou afetar toda a leitura, escrita e aritmética.
- Idealmente, as limitações são medidas usando testes devidamente normatizados e padronizados.
O início das limitações geralmente ocorre durante os primeiros anos escolares, mas em alguns indivíduos pode não ser identificado até mais tarde na vida, inclusive na idade adulta, quando as demandas de desempenho relacionadas ao aprendizado excedem as capacidades limitadas.
As limitações não são atribuíveis a fatores externos, como desvantagem econômica ou ambiental, ou falta de acesso a oportunidades educacionais.
As dificuldades de aprendizagem não são melhor explicadas por um Transtorno do Desenvolvimento Intelectual ou outro Transtorno do Neurodesenvolvimento ou outra condição, como um transtorno motor ou um transtorno sensorial da visão ou audição.
As dificuldades de aprendizagem resultam em prejuízo significativo no funcionamento acadêmico, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento do indivíduo. Se o funcionamento é mantido, é apenas através de um esforço adicional significativo.
Em resumo fica claro que a Discalculia pode aparecer em indivíduos normais que sofreram algum problema neurológico e perderam a capacidade de lidar com números assim como pode aparecer como um transtorno durante o aprendizado escolar normal. Neste último contexto ela pode surgir isoladamente ou em conjunto com os transtornos de leitura e/ou escrita.
Como nosso propósito é o de estudar os Distúrbios de Aprendizagem vamos nos limitar ao transtorno da matemática que surge durante o aprendizado escolar normal.
A maioria dos pais que freqüentam nossos atendimentos consideram “normal o filho apresentar dificuldade em matemática já que eles também passaram pelo mesmo problema.”
Isso acaba dificultando o diagnóstico de discalculia e até mesmo o reconhecimento por parte destes pais e professores de que o sujeito com dificuldade pode possuir um transtorno específico da aprendizagem e que, por isso, precisa de ajuda de diversos profissionais e de acompanhamento contínuo.
Para eles é importante frisar que a discalculia não implica em deficiência cognitiva e, sim, em uma dificuldade causada por uma disfunção na operação aritmética, que pode ser superada ao pensarmos em estratégias de trabalho adequadas para o sujeito acometido pelo transtorno.
Em 1796, o médico Franz Joseph Gall, afirmou que algumas áreas cerebrais poderiam ser percebidas por meio de depressões e saliências no crânio. Duzentos anos depois (BASTOS, 2016) descreve que uma das áreas do cérebro apontadas por Gall para o uso da matemática foi confirmada, através de estudos com tomografia com emissão de pósitrons (PET) .
Furman e Rubisten apontam para um hipofuncionamento do lobo parietal direito, tido como responsável pelos sentidos numéricos e quantitativos para explicar tanto a Discalculia do Desenvolvimento quanto o Deficit de Atenção.
Peter et cols compararam a atividade cerebral de crianças com dislexia, crianças com discalculia, crianças com comorbidade dislexia/discalculia e controles saudáveis durante a aritmética em um design que permitiu destrinchar vários processos que podem estar associados às origens neurais específicas ou comuns desses distúrbios de aprendizagem. Participaram do estudo deles 62 crianças de 9 a 12 anos, 39 das quais haviam sido diagnosticadas clinicamente com um distúrbio específico de aprendizagem (discalculia e/ou dislexia). Todas as crianças foram submetidas à ressonância magnética funcional durante a execução de uma tarefa aritmética em diferentes formatos (matriz de pontos, dígitos e palavras numéricas). No nível comportamental, as crianças com discalculia mostraram menor precisão ao subtrair matrizes de pontos, e todas as crianças com distúrbios de aprendizagem foram mais lentas em responder em comparação com crianças com desenvolvimento típico (especialmente em formatos simbólicos). No entanto, no nível neural, as análises apontaram para uma semelhança neural substancial entre crianças com distúrbios de aprendizagem: as crianças controle demonstraram níveis de ativação mais altos nas áreas frontal e parietal do que os três grupos de crianças com distúrbios de aprendizagem, independentemente do distúrbio.
Teixeira descreve que não se sabe quando e como o ser humano desenvolveu a capacidade de contar. Talvez tenha começado do modo como ainda hoje as crianças o fazem: usando os dedos da mão. Estudos recentes defendem esta conexão número-dedo. Quando executamos cálculos de aritmética, a atividade cerebral centra-se no lobo parietal esquerdo e na região do córtex motor que controla os dedos. Especula-se que os nossos antepassados usaram os dedos nas suas primeiras experiências com números. Por esse motivo, a região do cérebro que controla os dedos passou a ser também a área onde a atividade aritmética mais abstrata ficou localizada nos seus descendentes. A utilização dos dedos das mãos nas primeiras contagens deve, por isso, ser encarada com naturalidade.
Segundo Kanzafarova et cols a matemática tornou-se altamente importante na vida de alta tecnologia de hoje. O sucesso na vida cotidiana exige a presença do conhecimento matemático, que, por sua vez, parece ser a base de qualquer atividade científica inovadora. No entanto, uma grande porcentagem da população demonstra deficiências matemáticas. As habilidades e deficiências matemáticas representam um fenômeno complexo e multifatorial causado pela influência de fatores genéticos e ambientais.
Eles fizeram uma ampla revisão focada em estudos baseados em uma abordagem de gene candidato e em estudos de associação de todo o genoma que anteriormente relatavam associações entre polimorfismos genéticos e deficiências cognitivas, particularmente deficiências matemáticas. De acordo com a primeira abordagem, a aprendizagem e a formação da memória são influenciadas por variantes em genes do sistema neurotransmissor, genes envolvidos na memória de trabalho e plasticidade sináptica. Os resultados da segunda abordagem demonstram que o gene da metaloproteinase 7 da matriz (MMP7), o gene do cainato ionotrópico do receptor de glutamato 1 (GRIK1) e o gene da dineína axonemal da cadeia pesada 5 (DNA H5) são responsáveis pelo desenvolvimento de deficiências matemáticas.
É interessante considerar o pensamento de Buescu quando ele questiona a existência de um gene matemático. Ele diz que “alguns indivíduos parecem ter facilidade natural em aprender conceitos matemáticos ao passo que outros lutam com dificuldades permanentes.” Ele descreve a família Bernoulli que produziu durante um século nada menos que oito matemáticos de primeira linha, muitos deles líderes na criação matemática de seu tempo. E, ao contrário do que se possa imaginar, a paixão de cada um deles pela matemática não foi devida a motivação familiar; pelo contrário a Matemática foi muitas vezes desencorajada de pais para filhos.
Como dito anteriormente muitos pais acreditam trata-se da mesma dificuldade da matemática que eles tiveram no ambiente escolar. É importante reconhecer precocemente a discalculia e agir antes que ela se torne mais grave.
Para fazer o diagnóstico é necessário conhecer a história clínica e o rendimento escolar e avaliar o desempenho em testes padronizados.
É importante frisar que uma criança que resolve questões matemáticas com estratégias próprias (diferentes das ensinadas em aula) e que chega a resultados corretos não tem discalculia.
Cheng et cols alertam para o fato de que vários estudos investigaram os déficits cognitivos subjacentes à dislexia e à discalculia, mas que não havia clareza quanto a dislexia e a discalculia estarem associadas aos déficits comuns de percepção visual. Eles analisaram o desempenho cognitivo em crianças com dislexia, discalculia, comorbidade e indivíduos com desenvolvimento típico. Os resultados mostraram que crianças com dislexia, discalculia e comorbidade apresentaram déficits comuns no processamento de numerosidade e percepção visual. Além disso, déficits de percepção visual foram responsáveis por déficits no processamento visual de numerosidade em todos os três grupos. Os resultados obtidos por eles sugerem que os déficits de percepção visual são um déficit cognitivo comum subjacente tanto à dislexia do desenvolvimento quanto à discalculia.
Além do cuidado no exame do Processamento visual bem direcionado é importante que a equipe multiprofissioal tenha em mente alguns conceitos no seguimento do paciente com discalculia.
Muitas vezes dizemos para essas crianças e adolescentes: PENSA !
Pensar é manter a concentração focada em apenas uma ideia e ir ate o final dela. Tenha certeza de que eles estão pensando.
O que eles não conseguem é TER PENSAMENTO.
Ter pensamento é deixar fluir tudo o que vem a mente, sem manter foco ou preferencia. Pensamentos permitem as pessoas organizarem suas ideias e sentimentos. Também pode ser considerado como um dos fatores básicos que fundamentam o comportamento humano.
O pensamento pode ser tanto um processo consciente quanto, por vezes, um processo inconsciente também – como é o caso da psicanálise.
Dos vários ramos da psicologia, a psicologia cognitiva se concentra sobre os processos de pensamento. Os psicólogos cognitivos estudam como o processo de pensamento muda quando indivíduos alcançam diferentes fases da vida, desde a infância até a idade adulta.
Raciocínio é também um processo mental, mas pode ser entendido como um subprocesso do pensamento. No entanto, a principal diferença é que, ao contrário do pensamento que pode ser consciente ou um processo inconsciente, o raciocínio é definitivamente um processo
BIBLIOGRAFIA
- Disponível no site da Organização Mundial da Saúde na página https://icd.who.int/browse11/l-m/en.
Bastos, José Alexandre. Matemática: distúrbios específicos e dificuldades. In: ROTTA, NewraTellechea. Transtornos da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2016.
Kanzafarova, R F; Kazantseva, A V; Khusnutdinova, E K. Genetic and environmental aspects of mathematical disabilities.Genetika ; 51(3): 281-9, 2015 Mar..
Peters, Lien; Bulthé, Jessica; Daniels, Nicky; Op de Beeck, Hans; De Smedt, Bert. Dyscalculia and dyslexia: Different behavioral, yet similar brain activity profiles during arithmetic. Neuroimage Clin ; 18: 663-674, 2018.
Furman, Tamar; Rubinsten, Orly.Symbolic and non symbolic numerical representation in adults with and without developmental dyscalculia.Behav Brain Funct ; 8: 55, 2012 Nov 28.
Teixeira, Ricardo Cunha. Como é que o nosso cérebro aprende Matemática? Jornal Atlântico Expresso, Portugal, 21 set. 2015, p. 15.
Buescu,Jorge. A dinastia Bernoulli. Revista Ingenium, Portugal, Abril, Maio, Junho de 2022, p.130-133.
Cheng, Dazhi; Xiao, Qing; Chen, Qian; Cui, Jiaxin; Zhou, Xinlin.Dyslexia and dyscalculia are characterized by common visual perception deficits. Dev Neuropsychol ; 43(6): 497-507, 2018.
Sophian, Catherine. The origins of mathematical knowledge in childhood. Lawrence Erlbaum Associates. (2007).